Eleições judiciais mobilizam esperança por juízes isentos

Eleições judiciais mobilizam esperança por juízes isentos

Eleitores presentes no processo demonstraram temor a serem eleitos magistrados envolvidos com famílias influentes e quadrilhas do narcotráfico

O México foi às urnas neste domingo (01/06) para as eleições judiciais, consideradas inéditas em todo o mundo, e na qual são esperados mais de um milhão de eleitores mobilizados em todo o país.

Opera Mundi esteve em um dos colégios eleitorais, localizado na região central da Cidade do México, para conversar com alguns cidadãos e conhecer as expectativas e também as dúvidas das pessoas que participam desse processo.

Uma dessas pessoas é Daniela Vivar, recepcionista de 29 anos que falou com a reportagem antes de seguir para a votação. Segundo ela, essa eleição é muito especial e positiva porque será a primeira vez que os magistrados serão escolhidos pelo povo.

“Estamos abrindo mais possibilidades para conhecermos novos juízes e pessoas que estão sendo um pouco mais transparentes”, explicou.

A jovem disse que a participação de homens nos processos eleitorais é historicamente maior do que a das mulheres. Muitas são impedidas de votar ou não votam por vontade própria.

Porém, no caso específico desta eleição para juízes, ela acredita que “isso é um fato relevante porque, no geral, a população tende a confiar mais nas juízas do que nos juízes. Portanto, como há muitas candidatas, e esperamos que as mulheres se sintam mais inclinadas a votarem por terem mais afinidade com o trabalho das novas magistradas”.

Arturo Sánchez, 45 anos, é advogado e está trabalhando como supervisor do Instituto Nacional Eleitoral (INE), sendo um dos responsáveis por organizar quase 30 seções de voto pela cidade. De acordo com ele, são esperados cerca de 10% do registro eleitoral, em um dos postos no qual Opera Mundi esteve presente.

“O pleito de hoje é importante para manter a estabilidade e a paz social em nosso país, já que estamos escolhendo aqueles que farão justiça. Quando as pessoas têm o poder de escolher os seus representantes, isso significa que estamos de fato exercendo a democracia e cumprindo com o nosso dever, como previsto no artigo 36 da nossa Constituição”, enfatizou.

Seis cédulas de votação

O tempo médio das pessoas nas cabines de votação tem sido cerca de 15 minutos. Isso porque os eleitores precisam preencher seis cédulas para os diferentes cargos do Judiciário.

Os mexicanos poderão escolher neste domingo os seus representantes em todas as instâncias do Poder Judiciário. Ao todo serão eleitos nove ministros para a Suprema Corte de Justiça da Nação (SCJN, o STF do México), dois magistrados para a Sala Superior do Tribunal Eleitoral, 15 magistrados regionais do Tribunal Eleitoral, 386 juízes de distrito, 464 magistrados de circuito e cinco para o Tribunal de Disciplina Judicial, órgão novo criado para fiscalizar o desempenho dos juízes, magistrados e ministros (similar ao Conselho Nacional de Justiça no Brasil).

Um dos eleitores que se mobilizou na jornada deste domingo foi Apolónio Moreno Calixtro, que vive a cerca de uma hora do seu local de votação.

Ele disse à reportagem que foi um pouco difícil votar devido a esse ser um processo inédito, com vários candidatos e “muito diferente” de todos que ele já participou ao longo dos seus 59 anos de vida.

“Esperamos que o Poder Judiciário melhore, porque no México é comum que juízes trabalhem para favorecer somente certos grupos de famílias influentes no país”, frisou.

Eleição sem precedentes

Enrique González, advogado pela Universidade Autônoma de San Luis Potosí, mestre em Direito e doutor em Ciência Política pela Universidade Autônoma de Zacatecas, disse a Opera Mundi que o México está ando por um processo sem precedentes em sua história.

De acordo com ele, este é um grande desafio para a política em seu país, que é reconhecida pela má reputação, especialmente no âmbito eleitoral. Enrique acredita que o pleito de hoje é uma tentativa de se estabelecer processos mais saudáveis e eficazes a fim de garantir que este poder em específico seja exercido pelos que foram escolhidos pelo povo.

“Não é fácil, mas é necessário. A tarefa básica é jogar na lata do lixo da história o antigo regime que se esclerosou em um sistema de partido estatal, caracterizado por corrupção e repressão, a ponto de cometer crimes contra a humanidade e fraude especializada em eleições”, comentou.

O advogado acrescentou que “nessas condições, é desejável que a intervenção do voto popular na eleição de ministros, magistrados e juízes constitua um avanço democrático”, avaliando o governo da ‘Quarta Transformação’, como os mexicanos chamam o período iniciado pelo presidente Andrés Manuel López Obrador (2018-2024) e continuado pela atual mandatária, Claudia Sheinbaum, que mantém um alto nível de aceitação popular, após anos de istrações de direita e extrema-direita no país.

“Atualmente, 14 indivíduos detêm 10% da arrecadação nacional, sendo que milhões de pessoas não têm renda suficiente para comprar a cesta básica de alimentos. A desigualdade entre os mexicanos nunca foi tão profunda como sob o neoliberalismo. E muitos juízes contribuíram para isso ao favorecer os acumuladores de bens públicos”, reforçou.

A respeito do comprometimento em relação a neutralidade de magistrados eleitos pelo voto popular, argumento muito utilizado por aqueles que se opõem às eleições, Enrique reforçou que a essência da autoridade jurisdicional é a imparcialidade, mas que isso não diminuiu a qualidade do juiz como ser humano, que é, consequentemente, falível.

“É por isso que essa experiência eleitoral é importante. Esperamos que ela traga uma renovação positiva do sistema judiciário mexicano”, completou.

Questionado sobre o risco de se eleger pessoas ligadas ao narcotráfico e a grupos de extrema direita, o advogado considera essa possibilidade viável, já que o campo no aparato estatal e governamental foi aberto para os militantes dos partidos derrotados e para pessoas com ficha criminal, citando como exemplo Alejandro Murat, ex-governador de Oaxaca e atual senador pelo Movimento de Regeneração Nacional (Morena), envolvido em um escândalo de corrupção na Espanha.

“Sim, pode acontecer. Porém, esse é o risco de um processo democrático como estas eleições judiciais. O Morena e todo o novo governo estão no dilema de se purificar ou, infelizmente, acabar como o Partido da Revolução Democrática (PRD, de centro-esquerda)”, finalizou.

Vale lembrar que o Morena é o partido da presidenta Sheinbaum e do ex-presidente López Obrador – este último também foi militante do PRD no ado, antes de ar à sua atual legenda.

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